1. 07-12-2009
Sepsis e infecções intravasculares
Epidemiologia e etiologia da bacteriemia
Definições
Diagnóstico da bacteriemia
Elsa Calado
Dez 09
Epidemiologia e etiologia da
bacteriemia
Nas últimas décadas, verificou-
se um aumento da incidência
da bacteriemia, para um valor
de 8,7% por ano (USA),
passando de 83 para 240
episódios por cada 100.000
habitantes entre 1979 e 2000.
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2. 07-12-2009
Epidemiologia e etiologia da bacteriemia
Esta modificação deve-se:
Avanço da tecnologia médica.
Aparecimento de hospedeiros
diferentes.
Desenvolvimento de novos
antimicrobianos.
Perante um doente com suspeita de
bacteriemia
1. O doente tem critérios de
diagnóstico de sepsis ou de
choque séptico?
2. Qual é a proveniência da
bacteriemia?
3. O doente tem alguma
doença subjacente?
4. Qual é o ponto de partida
da bacteriemia?
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3. 07-12-2009
Avaliação clínica do doente com bacteriemia
1ª Gravidade 2ª Local aquisição 3ª Doença 4ª Origem
- Sepsis - Comunidade subjacente - Conhecida
- Choque séptico - Nosocomial - Desconhecida
Epidemiologia local
Juízo clínico com suspeita etiológica
Colheita amostras
1. Tratamento empírico
2. Tratamento hemodinâmico
3. Tratamento do foco primário
Algumas definições
Sepsis
Infecção, documentada ou suspeita e
sindroma de resposta
inflamatória sistémica (SRIS).
Choque séptico
Sepsis grave
Hipotensão que persiste pelo
menos durante 1 hora apesar da
Sepsis associada a algum dado de
administração de fluídos, associada
disfunção de orgão ou alterações
a sinais de hipoperfusão ou
relacionadas com hipoperfusão.
disfunção de orgão.
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4. 07-12-2009
Classificação da bacteriemia segundo o local
de aquisição
Comunidade
-Ofactor prognóstico mais
importante, é a gravidade do
• É detectada nas primeiras
diagnóstico clínico.
48h do internamento.
- Sepsis – 4% mortalidade.
• Incidência: ≈ 36 – 50%
- Choque séptico – 78% morta-
• SU: - 0,99 episódios / 1000 lidade.
doentes atendidos
- E. coli (ESBL+) e MRSA
- 10,3 episódios / 1000
doentes internados
Classificação da bacteriemia segundo o
local de aquisição
Nosocomial
- A origem mais frequente é o
• Incidência: 6 episódios / 1000
cateter venoso central, seguido
internamentos.
da ITU, a pneumonia e a infec-
ção intra-abdominal.
• A etiologia e o padrão de
susceptibilidade dos agentes
nosocomiais variam entre os
vários hospitais, sendo - As bacteriemias nosocomiais,
importante conhecer a afectam variados tipos de doen-
epidemiologia local, para a tes.
selecção do tratamento
empírico.
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5. 07-12-2009
Principais características das
bacteriemias segundo o local de aquisição
Local Incid * Gram + Gram – Fungos Agentes Polimic Origem Mortal
% % % % % %
E. coli TU (46-53)
Comunidade 6 - 10 31 68 0 Pneumo 5-6 TR (12-27) 11 - 16
S. aureus ? (9)
SCN CV (26-52)
Nosocomial 6 65 25 9,5 S. aureus 13 - 53 TU (18-33) 27 – 37
Enterococo ? (16)
*Nº
episódios/1000
internamentos
Principais características das bacteriemias
nosocomiais em doentes distintos
Tipo Incid* Gram + Gram - Fungos Agentes Origem Mort
doentes principais % %
UCI 5,9a 60 - 70 20 - 35 2 SCN CVC (57) 25
S.aureus Respirat
a-nº epis/1000 Acinetobacter (21)
dias internam
? (34)
Com CVC 3 – 9,7b 45 - 60 20 - 40 5 - 10 SCN - 12 – 25
S. aureus
b-nº epis/1000 Enterobactérias
dias cateter
Cirúrgicos 6,4c 40 - 55 25 - 40 1 S. aureus CVC (35) 10 – 15
E. coli ? (29)
c-nº epis/1000 Enterococo spp
dias cirurgia
Neutropénico 24d 69- 76 14 - 31 1-8 SCN CVC (24) 32
febril e S. aureus Respirat (7)
Neoplásico d-nº epis/100 E. coli ? (56)
dias neutrop
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6. 07-12-2009
Cateter venoso central
Dispositivo indispensável na prática
clínica moderna
CVCs são inseridos frequentemente nos
doentes críticos
NNIS* (92-04): taxa média de
bacteriemia relacionada com o cateter
nas UCIs de todos os tipos variou de 1,8
até 5,2 por 1000 dias de cateterização
Mortalidade aproximada de 18%
*National Nosocomial Infections Surveillance System (NNIS)
Am J Infect Control 2004; 32:470-85
Cateteres – dispositivo indispensável na
monitorização e terapêutica do doente
Venoso periférico Braços, pés
Linhas arteriais periféricas Braços, pés, virilhas
Cateter venoso central (CVC) Pescoço, infra-clavicular, virilha
Central inserido perifericamente (PICC) Braços
Tunelizado (Hickman) Parede torácia
USA – 5 milhões CVCs / ano
UK – 240 000 CVCs / ano
… e os cateteres causam infecções!
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7. 07-12-2009
Epidemiologia da infecção por
dispositivos intravasculares
UCI – principal causa de
morbilidade é a infecção
relacionada com o cateter.
USA – 5 milhões
cateteres/ano com 850 000
infecções relacionadas com o
dispositivo.
Epidemiologia da infecção por
dispositivos intravasculares (cont.)
Bacteriemia relacionada
com o cateter (BRC) :
0 – 40% (variação entre hospitais, UCI,
factores de risco).
Principal causa de
bacteriemia nosocomial.
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8. 07-12-2009
Bacteriemias / tipo de UCI
NNIS (Out 86 - Dez 90)
Fontes de infecção relacionada com o
cateter
Agentes da pele
Endógenos
12% <1%
- Flora cutânea 60%
Extrínsecos
- Mãos do pessoal saúde
- Desinfectante contaminado
Desconhecido 28%
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9. 07-12-2009
Patogénese da infecção relacionada
com o cateter
Vias de acesso do
microrganismo
Hospedeiro
Microrganismos
Cateter
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10. 07-12-2009
Vias de acesso dos microrganismos
1. Peri-luminal
2. Intra-luminal
3. Perfusão contaminada
4. Disseminação
hematogénea
Via peri-luminal
Migração dos microrganismos
cutâneos, no local da inserção,
para a superfície externa do
cateter, com eventual colonização
da ponta.
Local da inserção (48-72 h) –
resposta do hospedeiro a um
corpo estranho, com produção
de camada proteica (fibronectina,
colagéneo e fibrina).
Mecanismo mais frequente –
infecção do cateter com duração
< 7 – 9 dias.
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11. 07-12-2009
Colonização a partir da pele
A deposição do biofilme nas
superfícies externa e interna
do cateter vascular →
processo de colonização
Os biofilmes são colónias
protegidas, onde os
microrganismos se encontram
ME – biofilme do Staphylococcus na superfície interna
do conector do CVC - CDC
Formação do biofilme
Dá-se em duas etapas:
a. Ligação e acumulação
bacteriana
b. Produção de uma matriz
extracelular (glicocálice ou “slime”)
que rodeia os microrganismos e os
protegem das condições
ambientais
Ambas as fases envolvem factores bacterianos específicos, como as proteinas de superfície que
interactuam com a matriz proteica extracelular do hospedeiro e adesinas intracelulares
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12. 07-12-2009
Colonização do conector – via intra-luminal
Esta colonização resulta da
manipulação e manutenção do
cateter.
Mecanismo de infecção
importante nos cateteres de
longa duração.
NPT – 54 – 70% bacteriemias.
Excepcionalmente pode ocorrer
colonização por perfusão
contaminada.
Perfusão contaminada
Infecção (via intra-luminal) rara.
Surtos epidémicos (bacteriemia
nosocomial) por contaminação na
manufacturação dos fluídos IV.
Contaminação na manipulação das
soluções IV (medicamentos, NPT,
etc).
Prevalência dos bacilos gram
negativos (Pseudomonas spp,
Citrobacter e Enterobacter spp.
As soluções lipídicas (NPT) facilitam
o crescimento da Candida spp e da
Malassezia furfur.
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13. 07-12-2009
Disseminação hematogénea
Colonização da ponta do cateter
após bacteriemia com origem
num foco à distância.
O folheto de fibrina na superfície
intravascular, facilita a
colonização – bacteriemia
recorrente.
Hospedeiro
Resposta à presença do
dispositivo IV (corpo estranho) –
produção de camada proteica que
reveste a superfície do cateter, com
propriedades adesivas para os
microrganismos.
Doença subjacente (malignidade,
imunodeficiência, quei-maduras
graves, malnutrição) – maior risco
de infecção.
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14. 07-12-2009
Microrganismos
Staphylococcus coagulase
negativa (elevada capacidade
adesiva) – produção de “slime”,
que protege a bactéria da
resposta imunológica e dos
antimicrobianos; aderência
preferencial à fibronectina.
S. aureus e Candida spp –
produzem uma coagulase que
facilita o processo trombogénico
à superfície do cateter, aderência
à fibrina e fibronectina.
Material do catéter
Demonstração in vitro da maior
susceptibilidade à adesão
bacteriana dos cateteres de polivinil
e polietileno, comparada com os de
teflon, sílica ou poliuretano.
Silicone (< adesividade bacteriana)
– cateterização prolongada.
Irregularidades na superfície
interna do cateter, promovem a
aderência de certas espécies (SCN,
Acinetobacter e Pseudomonas spp).
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15. 07-12-2009
Factores de risco: contaminação
Femural ou jugular interna contaminam-se
mais do que a subclávia
Cateterização repetida
Presença de foco séptico à distância
Inserção de cateter sem barreiras de
precaução máximas
Cateter não tunelizado contamina mais do
que o tunelizado
Tunelizado contamina mais do que o
dipositivo totalmente implantado
Menor risco com cateter com manga de
colagéneo impregnada com prata
Menor risco com cateter impregnado com
antibiótico ou com antisseptico
BRC / Agentes mais prevalentes – HGSA
SM e CCI - 2005
4
2005 (n = 17)
3
2
1
0
li
SA
A
lla
er
co
er
co
SS
ct
ct
ie
co
R
E.
ba
bs
ba
M
M
ro
to
le
ro
te
K
ne
te
En
En
ci
A
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16. 07-12-2009
BRC / agentes mais prevalentes – HGSA
SM e CCI - 2006
9
2006 (n = 23)
8
7
6
5
4
3
2
1
0
li
SA
A
lla
er
er
as
co
SS
ct
ct
ie
R
on
E.
ba
bs
ba
M
M
m
to
le
ro
do
K
ne
te
eu
En
ci
Ps
A
Incidência IH / Tipo de infecção
CCI – HGSA
45
40
35
30
ITU
25 RESP
20 BACT
OUTRAS
15
10
5
0
1994 1998 2002 2007
Circuito fechado
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17. 07-12-2009
Agentes microbianos / Tipo IH
CCI – HGSA 2007
ITU Bacteriemia Respiratória
1 E. coli E. coli MRSA
2 Klebsiella MRSA Pseudomonas
pneumoniae aeruginosa
3 Candida spp Klebsiella Acinetobacter
pneumoniae spp
Factores de risco extrínseco
Análise 2007
Total Total % IH % IH
c/ IH específica
ALGÁLIA 708 142 20,2 Com ITU = 11,6
CAT IV 58 16 27,6 BRC = 10,3
ENT NG 230 75 32,6 RESP = 23,5
ENT NT 12 2 16,6 RESP = 8,3
NG= nasogástrica; NT= nasotraqueal; BRC= bacteriemia relacionada com CIV
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18. 07-12-2009
IH / Factor risco extrínseco
2007
25
20 23,5
15
%
10 11,6
10,3
5
0
ITU/Algália Bact/CVC Pneum/Ent NG
Mortalidade / Diferentes tipos IH
18
19. 07-12-2009
Diagnóstico microbiológico da BRC
Cultura SQ (>15 UFC) – rolamento
da superfície externa do catéter
sobre uma gelose (Maki).
Cultura quantitativa da ponta do
catéter (>103 UFC) - > sensibilidade.
Hemoculturas quantitativas –
colheitas periféricas vs. centrais: 10
vezes mais colónias na colheita
central.
Conceitos
Contaminação – cultura do cateter positiva, diferente das
hemoculturas, clínica não resolve com a retirada do cateter.
Colonização – cultura do cateter positiva, idêntica às
hemoculturas, clínica não resolve com a retirada do
cateter.
Infecção associada ao cateter – cultura do cateter
positiva, bacteriemia idêntica, resolução clínica com a
retirada do cateter.
19
20. 07-12-2009
Dificuldades na abordagem da infecção
associada com dispositivo IV
Dificuldade no consenso na definição clínica do que é
uma infecção relacionada com o cateter.
Ausência de um método microbiológico infalível – sem a
retirada do cateter.
A diversidade das situações clínicas.
Medidas preventivas da BRC
Introdução do cateter com
técnica asséptica.
Protecção do local de inserção
com penso oclusivo.
Redução do número de
manipulações.
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21. 07-12-2009
Factores na colocação e manutenção do
cateter
Emergência > electiva
Experiência do médico
Pele por baixo do penso – húmida >
seca
Antisseptico cutâneo – álcool a 70%
, mais iodopovidona a 10%
Soluções com antibiótico – menor
risco no neutropénico com cateter
de longa duração
História clínica
• Sexo M, 44 anos, internado • Dia 20: quadro febril com 2
numa UCI há 20 dias, por dias de evolução.
TCE. Exame físico detalhado não
apresenta nenhum foco
• Está com respiração séptico.
assistida, tem cateter central Sem secreções respiratórias e
na veia jugular esquerda o RX do tórax é inespecífico.
desde o 10º dia e cateter
urinário desde o 1º dia de
internamento. • Hemograma com leucocitose.
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22. 07-12-2009
Pergunta-se:
• Inicia tratamento com amicacina
e ceftazidima.
• O que fazer? • Às 24 h do dia 2, mantém febre.
• Urocultura negativa.
• Dia 22: informação da
positividade das hemoculturas
colhidas no dia 20, com presença
• Quais são os factores de de bacilos de gram negativo.
risco que o doente têm?
• Decide-se retirar o cateter e
enviar para cultura.
História clínica (cont.)
Dia 23: informação do
laboratório, da presença de
bacilos de gram negativo com
a mesma morfologia do das
hemoculturas. Isolado o mesmo agente
na ponta do cateter e nas
hemoculturas.
O doente apresenta uma
melhoria clínica com descida
progressiva da temperatura Qual é o diagnóstico
que se normaliza um dia mais provável?
tarde.
Qual é o tipo de infecção
nosocomial?
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23. 07-12-2009
Bibliografia
• Cisneros-Herreros JM, Cobo-Reinoso J et al. Guia para el diagnóstico y
tratamiento del paciente com bacteriemia. Guias de La Sociedad Española de
Enfermedades Infecciosas Y Microbiologia Clínica (SEIMC). Enferm.Infecc.
Microbiol.Clin. 2007; 25 (2): 111-30.
• Goldmann DA and GB. Pathogenesis of Infections related to intravascular
catheterization. Clinical Microbiology Reviews. 1993; vol 6 nº2: 176-192.
• Schinabeck MK and Ghannoum MA. Clinical Microbiology Newsletter. 2003; vol
25 nº15: 113-118.
• Trautner BW and Darouiche RO. Catheter-Associated Infections. Arch. Intern.
Med. 2004; Vol 164; 842-850.
23